quinta-feira, julho 10, 2014

A MISTIFICAÇÃO NOSSA DE CADA DIA E O ESTOURO DE UM TERREIRO - PARTE II

Há alguns anos surgiu no meio umbandista uma tendência forte ao tantrismo¹ onde alguns se disseram "mestres tantras curadores" e outros encheram as páginas dos seus livros de "exus" sexualmente bem dotados e "pomba-gíras" devassas e que necessitavam do "poderoso negativo" de sua contraparte masculina para reacender seu "àsé". Aliás, nesta obra em particular, a cada duas páginas havia a descrição de relações sexuais entre "exus".

Bastou que eu fechasse a postagem de ontem informando que não sequência falaria de sexualidade e moralidade dentro dos Terreiros e minha caixa de mensagens ficou repleta de "causos" (em bom "mineirês") sobre as mais diversas patifarias envolvendo "entidades" e sexo.

Os relatos começam com orgias em rituais específicos, onde somente os "cabeças" do Terreiros são chamados e as mais belas médiuns escolhidas para beber do "néctar tântrico", assim como ver de perto a "vara tântrica", passando por "pomba-giras" que ao final da sessão, escolhe entre a assistência quem se deitará com ela. Um famoso "pai de santo" no sul do país, sempre se dispõe a colher o "àsé branco" de jovens e vigorosos "filhos".

Extremos à parte, não é incomum que dirigentes e médiuns mal intencionados utilizem da suposta mediunidade para conseguir favores sexuais. Já vi "entidades" que disseram à jovem assistente que ela e o seu médium tinham uma "dívida kármica" a ser paga e por isto deveriam manter relações sexuais.  
A grande questão não é o envolvimento afetivo-sexual entre os membros de um Casa de Culto. Onde há pessoas, haverão relacionamentos, sem nenhuma dúvida. A grande questão é como estas relações nascem e principalmente como elas se desenvolvem. 

As entidades espirituais tem muito o que fazer e se preocupar para servirem de cupidos alcoviteiros. Não cabe à elas ficarem alertando sobre ligações kármicas e interferindo no livre-arbítrio e na liberdade afetiva-sexual dos médiuns. Se realmente o médium "X" tiver algo a viver com a médium "Y" (claro, que sem descartar eventuais relações homoafetivas que possam surgir) isto acontecerá naturalmente, sem a interferência do mundo espiritual.

Em algumas Casas de Culto é proibido o envolvimento entre os médiuns e entre estes e os frequentadores. Em minha opinião, além de inócua, visto que as pessoas passam a maior parte do tempo fora do ambiente do Terreiro e o que fazem fora dali não diz respeito ao dirigente, é invasiva já que não cabe a nenhuma instituição interferir na vida pessoal de seus membros.

Mais do que as questões envolvendo a afetividade dentro do ambiente de Terreiro, havemos, dirigentes, médiuns e assistência, de nos atentarmos à outros fatores que podem interferir não somente na harmonia da Casa, mas também em seus trabalhos.

A moralidade não está, obviamente, ligada somente a questão sexual. Não raramente questões envolvendo dinheiro, fofocas, ciúmes e outros assuntos levam a conflitos e dissidências dentro da Casa. Em meus 28 anos de Umbanda, já vi Terreiros fecharem por conta de dívidas entre médiuns, má gestão dos recursos financeiros da instituição, favorecimentos, dentre outras coisas que são facilmente evitáveis.  

Por fim, quero lembrar que não cabe nenhum tipo de preconceito dentro da
Casa de Culto, em especial no que diz respeito a homoafetividade. É uma fato histórico que as Casas de Santo sempre acolheram homossexuais em seu seio, sem nenhum tipo de restrição. Hoje sinto-me envergonhado ao ver alguns que se dizem umbandistas e candomblecistas destilando preconceito contra homossexuais em redes sociais. 

Alguns, por certo, dirão que Matta e Silva condenava a homossexualidade, inclusive afirmando que homossexuais não podiam trabalhar mediunicamente ou mesmo ser iniciados. Algumas passagens em seus livros tinham clara conotação homofóbica, no entanto, no que pese meu profundo respeito ao Mestre Yapacani, nunca consegui encontrar outra referência ou tratado esotérico falando sobre a inferioridade mediúnica dos homossexuais ou sua incapacidade moral para exercer o sacerdócio.

Quero aproveitar para agradecer os muitos emails que tenho recebido e me desculpar pela demora nas respostas. Além dos meus compromissos profissionais, pessoais e religiosos, meu pai encontra-se enfermo e tenho me desdobrado para auxiliar nos cuidados a ele.

Em relação ao futuro do blog, devo terminar esta série de artigos e não sei quando voltarei a escrever. Certamente devo escrever um artigo respondendo as principais dúvidas que me chegam através de email. Como disse ao meu amigo Pablo Aberinyuado, sempre que surgir algo que me inspire a escrever, o farei.

Na terceira parte, falarei sobre favorecimentos pessoais, culto a personalidade e dissidências.

Manáh, Àsé e Bençãos.

Ricardo Machado
Ubajara

=============================

1 - O tantrismo é uma doutrina criada na Índia no século VII, é um conjunto de práticas que prepara o corpo e a mente do homem para aumentar seu conhecimento sobre si mesmo e sobre a realidade que está a sua volta. Foi incorporado pelo hinduísmo e o budismo, pois acreditam que o corpo e o espírito não são duas entidades separadas fazendo parte de um mesmo todo sendo considerados divinos. As principais divindades do tantrismo são Shakti que é a energia feminina, ativa e símbolo da matéria e Shiva que é o princípio masculino, passivo que representa o espírito. O objetivo do tantrismo é unir Shakti e Shiva a fim de manipular a energia do corpo. Tal prática ficou conhecida como sexo tântrico.