quarta-feira, julho 02, 2008

UMBANDA E A LEI SECA

A nova Lei 11.705, que altera o Código de Trânsito Brasileiro, deve provocar uma mudança de hábitos da população brasileira. O consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas por condutores de veículos está proibido. Antes, era permitida a ingestão de até 6 decigramas de álcool por litro de sangue (o equivalente a dois copos de cerveja).

Quem for pego dirigindo depois de beber, além da multa de R$ 955,00 vai perder a carteira de motorista por 12 meses.

As informações são do jornal "O Globo".

Em uma das listas de discussões das quais participo, foi levantada a questão da Lei Seca e o uso de bebidas álcoolicas pelas Entidades durante a gíra. Em resumo, as questões colocadas foram as seguintes, in verbis:

1) Com a criação da Lei Seca, onde a tolerância para a presença de álcool no sangue dos motoristas é praticamente zero, como ficam os médiuns cujas Entidades ingerem bebibas álcoolicas?

2) Os Guias entenderão as leis humanas e passarão a adotar outras práticas, abolindo o uso de álcool? Ou não vão nem querer saber da lei e vão continuar utilizando esse elemento através da ingestão? (sic)

3) Muitos estudiosos e médiuns alegam que não tem nenhum problema o uso de álcool, porque os Guias levam tudo quando vão embora. Alguns dizem até que o cheiro da bebiba não fica na boca do médium. Diante destas afirmativas, teremos uma boa oportunidade, mesmo que forçada, para que diante do bafômetro e de possíveis exames hematológicos, verificarmos a veracidade destes conceitos.

As questões colocadas são deveras pertinentes e tentaremos respondê-las aqui.

As Entidades que se manifestam em nossos Terreiros, Casas, Tendas e Choupanas, o fazem por amor às humanas criaturas, trazendo ensinamentos e o alento para aqueles que aos milhares recorrem à Umbanda para a solução de seus problemas.

Dentro da assim chamada "Umbanda Esotérica", acreditamos que nossas Crianças, Caboclos, Pretos-Velhos e Exus estão livres do círculo encarnatório, não mais resgatando na penumbra da forma, portanto livres de vícios e demais mazelas típicas de espíritos que ainda não se libertaram da Roda de Samsara. Não irei me aprofundar por demais, visto que foge completamente do escopo deste artigo, deixando para um texto futuro o tema, apenas completando que as Entidades que estão dentro da Lei de Umbanda evoluem dentro de suas próprias linhas.

Sendo assim, estas Entidades não usam do tabaco e do álcool por vício.

Na verdade elas manipulam os elementos contidos nestes produtos em benefício do médium e dos consulentes. Com o fumo há a manipulação dos elementos água, fogo e ar, usados na forma de uma defumação "forte" e com o álcool a utilização dos elementos água e fogo com o intuito de descarregar o próprio médium das cargas que vão se acumulando durante os atendimentos.

Vejamos o que diz Pai Guiné d'Angola, através do seu médium, o saudoso W.W. da Matta e Silva (Mestre Yapacani) na obra "Lições de Umbanda (e quimbanda) nas Palavras de um Preto-Velho":

Pergunta: Por que os Guias fumam?

Resposta: A fumaça do charuto e do cachimbo substitui o defumador cujo objetivo real é limpar o ambiente e as pessoas de vibrações negativas. Não é, como os leigos julgam, um vício ou uma prova de inferioridade do espírito.

Pergunta: E sobre o uso do álcool e bebida?

Resposta: 1º) O álcool é um dos elementos empregados como processo para afugentar certos espíritos que não resistem a seu cheiro, como por exemplo: os obsessores renitentes.

2º) O uso de certas bebidas pelas entidades espirituais que trabalham, em missão no terra a terra, em dias festivos, é somente como confraternização com seus médiuns e nunca por vício. Fora isso, é que os médiuns, abusando do dom consciente, gostam de molhar a garganta.

Percebemos, portanto, que a falha no uso de fumo e bebida não vem das Entidades que, como já dito, manipulam estes elementos de forma benéfica, mas daqueles que abusando da mediunidade dita "consciente" abusam.

Portanto, respondendo as questões "1" e "2", os médiuns sérios, que trabalham com Entidades de fato e de direito, não mudarão sua forma de trabalhar devido a Lei Seca. No entanto, não são as Entidades que devem se enquadrar às Leis humanas e sim seus médiuns. Não há sentido algum de nossos Guias e Mentores espirituais deixarem de trabalhar como devem e podem, simplesmente por haver uma determinação legal que não os atinge.

Então, que o médium realmente cumpridor de seus deveres como cidadão e religioso, evite o uso do automóvel nos dias de gíra, escolhendo meios alternativos como o transporte público (ônibus, táxi, metrô) ou carona com algum Irmão-na-Fé que more próximo de si. Com certeza, ficar sem o conforto e a comodidade do automóvel por uma ou duas vezes na semana não será um grande sacríficio para ninguém.

Sobre o último questionamento, isto é de uma relatividade enorme.

Já tive a oportunidade de presenciar médiuns incorporados ingerirem uma quantidade absurda de cachaça (algo em torno de 3 -4 litros) e após a Entidade ir embora não constatar nenhum sinal de embriaguez. Em documentários do National Geographic sobre as práticas de Santeria em Cuba, o culto a Santa Muerte no México, o Voodoo Haitiano e o culto à Maria Lionza na Venezuela, vemos médiuns e adeptos ingerirem altíssimas quantidades de bebidas álcoolicas e não haver alteração vísivel em seu comportamento ao fim dos trabalhos.

A Umbanda, dentro de sua imensa e maravilhosa diversidade, não sendo uma religião codificada (e jamais o será...) deixa espaço para todas as formas de trabalho. Desde que a máxima deixada pelo Caboclo das Sete Encruzilhadas de que a Umbanda é a manifestação do espírito para a caridade esteja sendo observada, o uso (ou não) de atabaques, álcool, fumo, etc, é irrelevante.

Para finalizar, no caso específico de seguirmos as Leis humanas, lembremos as sábias palavras do Mestre de Nazaré:

"Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus." (Mat. 22:21)

Mas não nos esqueçamos que as Leis de "César" não são mais importantes que as Leis de Deus. Na verdade, elas se complementam, ainda mais se levarmos em conta outro de seus ensinamentos:

"Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus." (Rom 13:1)