quarta-feira, julho 16, 2008

A ARROGÂNCIA DE DIVALDO PEREIRA FRANCO

"... Na cultura brasileira, remanescente do africanismo, há uma postura muito pieguista, que é a do preto velho. E muitas pessoas acham que é sintoma de boa mediunidade ser intrumento de preto velho. Quando lhe explicamos que não há pretos velhos, nem brancos velhos, que todos são Espíritos, ficam muito magoadas, dizendo que nós, espíritas, não gostamos de pretos velhos. E lhes explicamos que não é o gostar ou não gostar. Se tivessem lido em O Livro dos Médiuns, O Laboratório do Mundo Espiritual, saberiam que se a entidade mantém determinadas características do mundo físico, é porque se trata de um ser atrasado. Imagine o Espírito que manquejava na Terra, porque teve uma perna amputada, ter de aparecer somente com a perna amputada. Ele pode aparecer conforme queira, para fazer-se identificar, não que seja o seu estado espiritual. Quando, ao retornar à Pátria da Verdade, com os conhecimentos das suas múltiplas reencarnações anteriores, pode apresentar-se conforme lhe aprouver.

Então, a questão do preto velho é um fenômeno de natureza animista africanista, de natureza piegas. Porque nós achamos que o fato de ter sido preto e velho, tem que ser Espírito bom, e não é. Pois houve muito preto velho escravo que era mau, tão cruel quanto o branco, insidioso e venal. E também houve e há muito branco velho que é venal, é indigno e corrompido. O fato de ter sido branco ou preto não quer dizer que seja um Espírito bom.

Cabe ao médium ter cuidado com esses atavismos, e quando esses Espíritos vierem falando errado, ou mantendo os cacoetes característicos das reencarnações passadas, aclarar-lhes quanto à desnecessidade disso. Porque se em verdade, o preto velho quer falar em nagô, que fale em nagô, mas que não fale um enrolado que não é coisa nenhuma. Ou, se a entidade foi alemã na Terra e não logre falar o idioma do médium, que fale alemão, mas que não fale um falso alemão para impressionar. O médium só poderá falar o idioma no qual ele já reencarnou em alguma experiência passada.Desde que não há milagres nem sobrenatural, o médium é um instrumento. Sendo a mediunidade um fenômeno orgânico, o Espírito desencarnado vai utilizar o que encontre arquivado no psiquismo do médium, para que isto venha à baila."


O trecho acima é extrato de um ensaio do médium espírita Divaldo Pereira Franco, que tem como título "Consciência".

Divaldo, para quem não sabe, é uma personalidade do mundo espírita. Orador dos mais requisitados, profundo conhecedor da Doutrina Espírita, filantropo e mantenedor da "Casa do Caminho", considerado por muitos como o sucessor do falecido Chico Xavier.

Infelizmente, Divaldo Franco, assim como a maioria dos Espírita, é arrogante e demonstra completa ignorância sobre a Doutrina Umbandista e, vou mais além, do Mundo Espiritual de um modo geral. O aclamado escritor comete os mesmos erros doutrinários e de julgamento que todos os seus confrades que se meteram a escrever sobre aquilo que desconhecem.

Em primeiro lugar, Divaldo cita o "Livro dos Médiuns" como a última palavra em termos doutrinários. É como se o que Allan Kardec codificou fosse a verdade absoluta, o mais puro eco da Espiritualidade na Terra.

Neste mesmo sentido, Divaldo dá um "tiro no pé" ao dizer que Entidades que mantêm determinadas características do mundo físico é um espírito atrasado. Isto vindo de alguém que tem como guia um espírito que se apresenta como uma freira (Joana de Angelis) é, no mínimo, contraditório. Exceto que ele considere a sua mentora, apesar de manter as características de uma religiosa católica, exceção à esta regra.

Talvez outros ícones da seara espírita, como Bezerra de Menezes e Irmã Sheila, também estão excluídos da regra ditada no "Livro dos Médiuns" já que, como é de conhecimento geral, continuam se apresentando com as características de suas últimas encarnações terrenas.

Outra contradição medonha na infeliz colocação de Divaldo, é que os espíritos, ao retornarem à Pátria Espiritual (que ele denonima "Pátria da Verdade"...) pode se apresentar como quiser. Então, já que é assim, por quê não se apresentar na forma de um Preto-Velho? De um Caboclo? Só é aceitável para o eminente escritor que os espírito apresente-se como freiras ou médicos, brancos de preferência?

Sinceramente, não vejo qual a diferença, exceto pelo "racismo espiritista" que sempre campeou o meio kardecista, desde o seu fundador. Ou será que os espíritas se esqueceram o que Kardec escreveu em várias obras sobre a inferioridade deste ou daquele povo ou raça"?

Vejamos:

"O progresso não foi, pois, uniforme em toda a espécie humana; as raças mais inteligentes naturalmente progrediram mais que as outras, sem contar que os Espíritos, recentemente nascidos na vida espiritual, vindo a se encarnar sobre a Terra desde que chegaram em primeiro lugar, tornam mais sensíveis a diferença do progresso .Com efeito, seria impossível atribuir a mesma antiguidade de criação aos selvagens que mal se distinguem dos macacos, que aos chineses, e ainda menos aos europeus civilizados" (Allan Kardec, A Gênese, Ed. Lake, São Paulo, 1a edição, comemorativa do 100 aniversário dessa obra p. 187.)

"Esses Espíritos dos selvagens, entretanto pertencem à humanidade; atingirão um dia o nível de seus irmãos mais velhos, mas certamente isso não se dará no corpo da mesma raça física, impróprio a certo desenvolvimento intelectual e moral. Quando o instrumento não estiver mais em relação ao desenvolvimento, emigrarão de tal ambiente para se encarnar num grau superior, e assim por diante, até que hajam conquistado todos os graus terrestres, depois do que deixarão a Terra para passar a mundos mais e mais adiantados" (Revue Spirite, abril de 1863, pág. 97: Perfectibilidade da raça negra, in Allan Kardec, A Gênese, Ed. cit. p. 187. )

"Um chinês, por exemplo, que progredisse suficientemente e não encontrasse na sua raça um meio correspondente ao grau que atingiu, encarnará entre um povo mais adiantado" (Allan Kardec, O que é o Espiritismo, Edição da Federação Espírita Brasileira, Brasília, 32a edição, sem data, pp. 206-207. A edição original de Qu"est ce que le Spiritisme é de 1859)."

É compreensível que Divaldo Pereira Franco, assim como mais um punhado de escritores espíritas que se meteram a escrever sobre o que não conhecem e, não raramente, criticando a Umbanda, chamar os Espíritos que se manifestam sobre a forma de "Pretos-Velhos" de "piegas". Os espiritas, de forma geral, tem horror à tudo que não seja proveniente da cultura helênica. Se não for ariano e cristão, então é coisa de "espíritos atrasados".

O mais engraçado é que enquanto a Europa estava mergulhada nas idade das trevas, o chineses já tinham uma civilização onde se conhecia a matemática, a filosofia, a astronomia, a pólvora. Os árabes já contavam com uma medicina avançada e um organização social invejável. Os reinos de Oyó e de Ifé prosperavam na África e, não nos esqueçamos, que as pirâmides não foram construídas por brancos.

Acredito eu, sinceramente, que a figura do "Preto-Velho" representa muito melhor a humildade tão pregada pelos espíritas, do que seus mentores europeus, com nomes famosos e, não raramente, ligados às elites, como no caso de freiras, médicos e artistas renomados.

Melhor a simplicidade do "Caboclo", do que a empáfia de determinados escritores que, não contendo o seu ego inflado e sua viseira doutrinária, não compreendem (ou não querem...) que realmente não existem nem "pretos" e nem "brancos" velhos, mas sim espíritos, que até foram médicos, freiras, pintores e músicos renomados e, por que não, negros africanos, índios brasileiros, em alguma de suas existências, mas exatamente por seguirem as premissas que norteiam os trabalhos espirituais, em especial a humildade, assim se manifestam para serem ouvidos e entendidos pelo "doutor" assim como pelo analfabeto.

Prefiro o "atavismo piegas" do "Preto Velho", o cheiro de arruda e guiné de nossos Terreiros, à arrogância e o racismo, assim como o gosto pelo perfume francês, demonstrados pelo médium da freira.