sábado, fevereiro 25, 2006

MORTE

Oh! Morte, que alguns dizem assombrosa
E forte, não te orgulhes, não és assim;
Mesmo aquele a quem visastes o fim,
Não morre; não te vejo vitoriosa.
Vens em sono e repouso disfarçada,
Prazeres para os que tu surpreendes;
E o bom ao conhecer o que pretendes
Descansa o corpo, a alma libertada.
Serves aos reis, ao azar e às agonias,
A ti, doença e guerra se acasalam;
Também os ópios e magias nos embalam,
Como o sono. De que te vanglorias?
Um breve sono que a vida eterna traz,
Golpeia a morte, Morte morrerás.

Por que eu só, entre tudo, sou condenado,
E a espécie bruta escapa à sorte:
Serpente e o fruto que trouxeram morte,
A vil luxúria, a besta do pecado?
Por que deve a razão, que é o meu legado,
Tornar uma boa ação, gesto odioso?
E o perdão sendo fácil e glorioso,
Senhor, por que o teu semblante irado?
Mas quem sou, nada, não ousarei me opor
Ao meu Deus; que o Seu sangue valioso
Junte-se ao meu pranto, em rio caudaloso
E afogue a perfídia, a minha dor;
Que a muitos servem Vê-lo castigar
E um gesto teu, Senhor, pode apagar.

(John Donne)