quinta-feira, dezembro 18, 2008

OS PERIGOS DA TOLERÂNCIA IRRESTRITA

Setenta e cinco milhões de anos atrás, o Universo estava superlotado.

Para resolver o problema, o imperador galático Xenu decidiu apelar para o genocídio. Fez trilhões de prisioneiros, trouxe-os até a Terra em naves espaciais e jogou bombas atômicas para acabar com todo mundo. Só que as almas desses seres, chamados thetans, ficaram vagando por aqui até encarnar nos primeiros Homo sapiens. E esse é o motivo de todos os conflitos e angústias da humanidade.

Parece um roteiro de filme B, mas é o fundamento de uma religião: a cientologia

Tal doutrina, criada em 1952 pelo autor de ficção científica L. Ron Hubbard, fez vários adeptos pelo mundo afora, em especial entre os artistas de Holywood, como Tom Cruise, Nicole Kidman, Will Smith, John Travolta e o falecido Christopher Reeve, que ficou famoso pelo papel de "Superman" e a sua luta, após o acidente de hipismo que o deixou tetraplégico, pela liberação das pesquisas e uso de células tronco.

É uma religião sem rituais, que propõe é levar o indivíduo a um estado de consciência chamado "clear" (limpo). Essa limpeza é a eliminação do que chamam de mente reativa -que por sua vez é, grosso modo, um lugar que todos nós temos no cérebro, onde estão registrados os traumas e as fobias, todas as "tristezas", todas as imagens e sensações de dor ou sofrimento.

Para eliminar a mente reativa [e de forma rápida, segundo a religião] há uma tríade de atitudes indispensáveis para o cientólogo:

1) fazer leituras e estudos profundos das obras sobre a dianética (de Ron Hubbard);
2) práticas diárias de técnicas e exercícios descritos nos livros;
3) participar de "misteriosas" sessões onde um aparelho criado por Hubbard, chamado e-meter, é seguro com as duas mãos pelo praticante, enquanto ele responde a um questionário.

O e-meter registra ondas cerebrais específicas. Para mexer com essas ondas, o mestre cientólogo faz uma sessão de perguntas muito delicadas ao discípulo da igreja. É como se o questionário do mestre mexesse exatamente nas "feridas psíquicas" de alguém que se submete a isso voluntariamente. Lembranças, sensações e imagens ruins e traumáticas estariam armazenadas em algum lugar na mente.

O aparelho abriria uma porta e começaria a "faxina mental". A provável dor de mexer nesses pontos da vida poderia ter a força de limpar a mente, segundo a cientologia. Com o tempo, essas 'porcarias' deixariam de existir e o cientólogo passa a ter, principalmente, mais energia e espaço mental para usar. Ou seja, mais poder.

A cientologia chegou ao Brasil em 1994, através de Lucia Winther, sua principal líder e porta-voz no país. A editora Ponte publica os livros do movimento no Brasil. De acordo com a revista "Época", Lucia coordena as atividades do grupo e organiza as palestras, como as do venezuelano Augustín Pinto, que esteve em dezembro de 2004 em São Paulo. Nesses encontros, o grupo se apresenta sob o nome de dianética, uma terapia que levaria os participantes à “iluminação espiritual”. Nesse encontro, realizado na cidade de São Paulo, e que durou duas horas, Pinto só mencionou a palavra cientologia nos últimos minutos da palestra. Muitos dos participantes não sabiam que se tratava de uma religião.

Hoje pela manhã recebi um e-mail vindo da parte de uma pessoa que se diz "eclética", "universalista", "aberta à novas experiências e saberes" (sic), que questionava veementemente minha postura contra influências de outros sistemas filo-religiosos na Umbanda.

Em seu longo e-mail afirma que faz parte de um grupo fechado em São Paulo (do qual não declinou o nome) em que "experiências" envolvendo as práticas mediúnicas da Umbanda, assim como apometria, meditação, mantras, mandalas, projeção astral, "xamanismo esquimó" (sic) e, pasmem, aspectos da cientologia, eram um sucesso, servindo muito bem para o auxílio dos necessitados que os procuram (uai, mas o tal grupo não é fechado?!?) e a prosperidade de seus membros.

Até onde consegui pesquisar, sabe-se que não há mais do que 200 adeptos desta religião (por falta de termo melhor) no Brasil, sendo que por aqui a única pessoa "famosa" a aderir é a escritora esotérica (?!?) Mônica Buonfiglio.

Então, questiono, como será que a tal cientologia chegou a um grupo que se diz umbandista?

Obviamente, quem teve esta brilhante idéia pode ser uma destes 200 fiéis, ou mero curioso que andou estudando alguns livros sobre a matéria e resolveu aplicá-la junto com os "fundamentos" da Umbanda que diz seguir.

Mas a grande questão não é a cientologia, e sim a facilidade com que qualquer tipo de doutrina, ideologia, filosofia e prática estranhas simplesmente surgem em nosso meio, começando a sua contaminação de forma discreta, convencendo um "aqui e ali". Então, quando nos assustamos, a erva daninha já está de tal forma arraigada em um grande número de Terreiros e adeptos, que fica impossível extirpá-la.

Foi assim como a famigerada "apometria", que tomou força no meio umbandista depois das obras de Norberto Peixoto, supostamente psicografadas pelo espírito Ramatis. Em alguns Terreiros temos sessões de "do in", "shiatsu", e até mesmo sessões ditas de "desobsessão" em que engarrafam os espíritos obsessores.

Então, em nome da "diversidade", da "tolerância", da "unidade", temos de achar tudo isto muito normal, aplaudir tais sandices e ainda ouvir o estúpido chavão "está é a minha verdade"?

Além de tudo que já polui nossos Terreiros, como práticas tântricas, pontos cantados em sânscrito, roupas que mais parecem fantasias de carnaval, cocares quilométricos, "confrarias" no astral, e um tanto de outras asneiras, vamos ter de tolerar, aplaudir e ratificar como "Umbanda" qualquer idiotice com ares de filosofia ou "terapia", como é o caso da cientologia, dentre outras?


Será que vamos um dia nos deparar com os emissários de Xenu incorporados em médiuns e achar isto normal? Sim, porque gente recebendo deuses nórdicos, mestres ascensionados, comandantes de naves estelares e até mesmo O Próprio Jesus Cristo já existe.

Como não creio que "diversidade" é sinônimo de condescedência à práticas estranhas, vou deixando para Tom Cruise se preocupar com o maligno Xenu, assim como para aqueles que acham que a Umbanda é uma imensa colcha de retalhos, onde cada um costura o pedaço que quiser, administrar esta confusão. De minha parte, continuo com Criança, Caboclo, Preto-Velho e Exu.

A Umbanda não precisa de nada que venha de fora. Disto, tenho certeza.