quinta-feira, maio 29, 2008

Resposta a matéria "Desmistificando o Mistério Exu" [Revista dos Orixás Ano II nº 10]

Prezados Senhores,

Recentemente adquiri o exemplar identificado no subject desta missiva e deparei-me como a matéria em questão. Assim como fiz com os demais, lia atentamente o texto em questão e não posso furtar-me em tecer alguns comentários.

Como disse Pierre Beaumarchais: Sem liberdade de criticar, não existe elogio sincero. Portanto, antes de elogiar, sinceramente, alguns pontos da publicação, permitam-me criticar o texto do Sr. Daniel Augusto Sossi.

O autor da matéria começa a falar de "Exús Africanos" (sic), dissertando brevemente sobre o yangi e sua características, para logo após falar de uma lenda, um mito envolvendo Exu e uma suposta dualidade, para depois exemplifcar tal conceito apresentando um "ponto cantado" onde fala sobre um "exu" de "duas cabeças", onde uma é de "satanás do inferno" e outra é "Jesus de Nazaré", arrematando, ipsis literis, que "no inferno apresenta um aspecto de Deus e de Nazaré apresenta outro aspecto de Deus, oposto ao primeiro (...)".

Ora, esta é uma concepção absurda de Exu. Qualquer estudante sério da cultura e religiosidade africana, sabe que Exu nunca representou uma dualidade "bem x mal", ou mesmo que fosse oriundo de um local, minimamente, parecido com o mitológico inferno judaico-cristão. Aliás, não consigo entender o motivo de vários, senão a maioria, dos que se dizem umbandistas insistirem em identificar Exu como o diabo ou algo parecido.

O mais engraçado que estes mesmos umbandistas que adoram receber um "exu-diabo", são aqueles que se sentem injuriados quando as religiões evangélicas taxam nossos Guias e Protetores de "demônios".


Infelizmente, os fiéis dos cultos afro-brasileiros ainda estão por demais amarrados ao sincretismo afro-católico, achando que Xangô é São Jerônimo, Jesus Cristo é Oxalá, Yansã é Santa Bárbara e Exu é o demônio.

Adiante, a explicação do autor sobre a palavra "pomba-gira" chega a ser, desculpem a sinceridade, cômica. Vamos reproduzir, in verbis tal conceito apresentado:

"Pomba-Gira, vem do aspecto sexo: Pomba - sexo feminimo Gira - está em tudo, em todos". Adiante, solta a seguinte "pérola": "Bombo-Gila: a poderoza (sic) (Exú-Mulher)"

Aterrador....

Como nunca soube que a palavra "pomba" era sinônimo de orgão sexual feminino, fui consultar o dicionário. No sul do pais significa "vulva" e no nordeste brasileiro significa "pênis". Então, fiquei confuso e pergunto: será que "pomba-gira" no nordeste é "cabra macho" e no sul seria uma "guria trilegal"? Ora, faça-me o favor...

Na verdade a palavra "pomba-gira" não passa, nem de longe, próximo ao que o autor escreveu. A palavra é corruptela de Pambu Njila, como é denominado Exu no dialeto kikongo, dentro da mitologia Bantu.Aliás, também chamado de "Bombo Njila", sendo que sua manifestação feminina é chamada de Vangira.

Vamos ver o que Tata Kisaba Kavinajé fala sobre o assunto:

"[Pambu Njila] É o mensageiro, não essencialmente mau ou essencialmente bom, desempenha seus papéis e funções no espaço destinado ao culto. Aluvaiá é lançado como síntese de um pensamento social voltado ao sentimento mais humano à proximidade e identidade com o próprio homem, sem no entanto, colocá-lo distanciado do elenco místico."

Ou seja, se o Sr. Daniel Augusto tivesse se dado ao trabalho de fazer uma pequena pesquisa sobre o assunto não teria escrito TANTA BESTEIRA junta. Aliás, nem precisava pesquisar muito, bastava olhar no dicionário e veria que o Dicionário Houaiss explica que a palavra terá origem no quimbundo "pambu-a-njila", «cruzamento de caminhos, encruzilhada, domínio de Exu», ou no quicongo "mbombo", «porteira».

Nem vou prosseguir em comentar o restante do artigo, visto que são tantas bobagens em termos linguístico, cosmogônicos e teológicos que este meu e-mail ficaria imenso.

Por outro lado, não entendo como uma revista que publica excelentes artigos como os de Tat'eto Kiretauã, Tata Obalumbi, assim como as matérias sobre Kitembo e Kavungo, coloca em suas páginas um artigo tão cheio de conceitos distorcidos.

No mais, parabenizo a publicação, extremamente instrutiva no que tange aos fundamentos da Nação.

Iniciei com uma citação e com outra termino, fazendo minhas as palavras de Immanuel Kant:

A nossa época é a época da crítica, à qual tudo tem que submeter-se. A religião, pela sua santidade, e a legislação, pela sua majestade, querem igualmente subtrair-se a ela. Mas então suscitam contra elas justificadas suspeitas e não podem aspirar ao sincero respeito, que a razão só concede a quem pode sustentar o seu livre e público exame.

Recebam meu fraterno, sincero e respeitoso Saravá.

Ricardo Machado
(Mestre Ubajara)
Mestre de Iniciação de Umbanda Esotérica
Fraternidade de Umbanda Esotérica Vozes de Aruanda
Belo Horizonte/Minas Gerais