Em 1980, seis anos antes de morrer, Krishnamurti estava fazendo uma palestra em Brockwood, na Inglaterra, quando foi questionado sobre os motivos que o levaram a continuar falando, após 50 anos, como mensageiro, gastando energia, quando ninguém parecia mudar.Ele sábia e serenamente respondeu:
"Antes de mais nada, eu não dependo de vocês como um grupo que vem ouvir o palestrante. O orador não está ligado a nenhum grupo em particular, nem está precisando de uma assembléia. Penso que quando alguém vê algo verdadeiro e belo, ele quer contar às pessoas sobre isso, por afeição, por compaixão, por amor. E, se não houver quem esteja interessado, tudo bem, mas aqueles que estão interessados, talvez eles possam reunir-se. Você pode perguntar à flor por que ela cresce, por que ela tem perfume? É pela mesma razão que o orador fala".
Muitas pessoas questionam os motivos que me levam a continuar escrevendo sobre este estado de coisas lamentável dentro do atual movimento umbandista. Não entendem o motivo de minha contínua exposição, na insistência em falar sobre assuntos sobre os quais a maioria não presta a menor atenção e, se prestam, não acreditam ser relevante dentro do contexto de suas próprias vidas religiosas.
Não faz muito tempo, um amigo me exortava a deixar de lado algumas pessoas e instituições ditas "umbandistas' e usar este espaço e meu tempo com coisas mais produtivas, como exposição de doutrina. Lembrei-me de imediato uma frase famosa da personagem "Capitão Nascimento", do filme "Tropa de Elite": "Em coisas assim, ou você se corrompe, ou se omite, ou parte para a guerra".
Eu resolvi partir para a guerra.
Meu senso critíco, minha mente especulativa, não consegue ficar inerte frente a tantas coisas que ocorrem em nosso meio. Sinceramente, não estou preocupado com o fato de ser lido, de ter as minhas idéias aceitas ou divulgadas por outras pessoas, não quero fazer discípulos. Minha intenção é tão somente, mesmo sendo uma voz solitária, tentar fazer com que mais pessoas pensem, reflitam, analisem determinados eventos. Caso apenas UMA pessoa consiga tirar a viseira, o trabalho de anos terá valido a pena.
O que vem ocorrendo nos últimos dez anos dentro do movimento umbandista, é somente, e tão somente, a tentativa de grupos de dominar a religião afim de conquistarem prestígio, poder político e, claro, ter algum lucro financeiro, seja com a venda de livros, workshops, faculdades, colégios, cursos, conselhos, etc. Como o povo umbandista sempre foi sedento de líderes, de condutores, de alguémn que dia à ele o que fazer, não há o mínimo problema de haver constantes mudanças doutrinárias, ideológicas, ritualísticas, pois basta dizer que aquilo advém do Astral e a massa, assim como cordeiros que se dirigem ao matadouro, simplesmente aceita e segue-se a vida.
O que vemos hoje é um verdadeiro culto à personalidade, uma insistência em propagar "frases de efeito" destes ou daquele líder, em uma frequência hipnótica, ao mesmo tempo que o presidente do orgão "X" (que foi idealizado, criado e é presidido por um discípulo do pai "A") canta loas à faculdade "Y" (criada e dirigida pelo próprio pai "A") que por sua vez, parabeniza o conselho "Z" (na mesma situação dos demais), brincando com a inteligência alheia, como se fossem instituições independentes, sem conexões íntimas uma com as outras.
Este tipo de atitude hipócrita, infantil, é usada abertamente, de forma diária e, ao que parece, a grande massa, incluso pessoas com grau superior de ensino, não percebe que tudo isto é de "mentirinha", que é um jogo de "faz de conta", que pode detrás de tudo isto existe somente um único e soberano cérebro.
Existe uma passagem na vida de Krishnamurti, que poderia ser muito bem usada como exemplo por nossos atuais líderes umbandistas, que insistem neste egocentrismo e na criação de múltiplas (e inócuas) instituições.
Em Madras, em 1947, aqueles que tinham contato com o homem Krishnamurti e com a essência de seus ensinamentos estavam perplexos com o fato de ele ter sido anunciado pela Sociedade Teosófica como sendo o Messias e o instrutor do mundo e ter renunciado a esse papel.
Krishnamurti tentou responder a essa questão contando uma história:
"O diabo e um amigo estavam passeando quando viram, a sua frente, um homem abaixar-se e pegar algo brilhante do chão. O homem olhou para aquilo com deleite, colocou-o no bolso e continuou caminhando. O amigo perguntou: "O que aquele homem achou que o transformou tanto?" O diabo respondeu: "Eu sei, ele encontrou a verdade." "Por Deus!"- exclamou seu amigo: "Isto deve ser um mau negócio para você!". "De jeito nenhum"- o diabo respondeu com um sorriso malicioso: "Vou ajudá-lo a organizá-la, você vai ver só!"
Krishnamurti indaga: "Pode a verdade ser organizada? Você pode encontrar a verdade através de uma organização? Elas estão baseadas em diferentes crenças. Crenças e organizações estão sempre separando as pessoas, excluindo umas das outras. Você é um hindu e eu sou um mulçumano, você é um cristão e eu sou um budista. Crenças, ao longo de toda a história, atuaram como uma barreira entre os seres humanos. Nós falamos de fraternidade, mas se você tem uma crença diferente da minha, estou pronto para cortar sua cabeça; nós temos visto isso acontecer inúmeras vezes.
E prossegue: "A experiência de Deus deve ser experimentar por si mesmo. Ela não pode ser organizada. No momento que é organizada, propagada, ela cessa de ser verdade, ela se torna uma mentira. O real, o imensurável, não pode ser formulado, não pode ser colocado em palavras. O desconhecido não pode ser medido pelo conhecido, pela palavra. Quando você o mede, ele cessa de ser verdade, deixa de ser real e, portanto, é uma mentira".
Particularmente, não creio ser demonstração de saúde ser bem ajustado à uma sociedade profundamente doente. Resolvi, faz muito tempo, não viver uma mentira, não entregar a condução de minha vida à ninguém. Não seguirei mestres contraditórios, independente de quão pertinentes sejam as suas idéias, ainda mais quando elas mudam ao vento de suas conveniências.
Pense nisto.
