terça-feira, junho 03, 2008

RESPOSTA A ENTREVISTA DE NEI LOPES À FOLHA DE SÃO PAULO

Abaixo, trecho da entrevista do escritor e compositor Nei Lopes. Comento entrelinhas:

O escritor e compositor popular Nei Lopes critica o afastamento de setores da umbanda das raízes africanas. "Essa umbanda não usa tambores e se pretende esotérica", diz. "É como se seus praticantes dissessem: 'Essa coisa de tambor, sacrifícios de animais, isso é coisa de selvagens! Nós somos civilizados'. Nessa oposição entre 'selvagem' e 'civilizado' é que está o racismo". Nei Lopes é o autor da "Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana" (Selo Negro Edições).

Folha - Como analisa a formação da umbanda?

Nei Lopes - O mito de origem da umbanda, na versão que tem como protagonista o médium Zélio de Moraes, é exemplar. Ele evidencia a busca de inserção dos despossuídos da sociedade brasileira no espaço religioso.Todo mito tem um fundo de verdade, que os eruditos chamam de "mitologema"; e, na história da umbanda, esse fundo é o episódio do médium Zélio. Mas antes já havia, além dos calundus coloniais, que não tinham organização social, comunitária, os candomblés, organizados, como se sabe hoje, desde antes de 1850.

Comentário: Estamos falando de UMBANDA, enquanto sistema filo-religioso e o eminente escritor vem falar de "calundus" e "candomblés" que nada têm a ver com a Umbanda.

Na virada para o século 19, a ialorixá baiana Mãe Aninha vinha de vez em quando ao Rio, onde inclusive fundou, por volta de 1906, uma filial de sua "roça", o Opô Afonjá, que funciona até hoje em Coelho da Rocha, São João de Meriti [Baixada Fluminense]. E a umbanda, herdeira direta de cultos bantos como o da cabula, cresceu certamente sob a influência desse prestígio do candomblé baiano, incorporando as figuras dos orixás jeje-nagôs e outros elementos.

Comentário: em Direito o ônus da prova é de quem alega. Se o eminente escritor puder provar, etimologica e antropologicamente que a Umbanda é herdeira direta dos cultos bantos, eu vou procurar o Terreiro de Candomblé mais próximo e me recolher à camarinha.

Mas o que fundamentalmente distingue a umbanda é o culto aos pretos-velhos, que não existem no candomblé. E esses pretos-velhos são representações de espíritos familiares bantos, da área de Angola, Congo e Moçambique (África centro-ocidental e oriental), daí seus nomes: Vovó Conga, Pai Joaquim de Angola, Tia Maria Rebolo, Pai Joaquim de Aruanda. O candomblé vem do Benin, da Nigéria, da África ocidental..

Comentário: Engraçado, não conheço nenhum tipo de culto à Caboclos, Crianças e Exus dentro dos Cultos de Nação. Talvez no Candomblé que o Sr. Nei Lopes praticou, havia por lá um monte de "catiços", incluso boiadeiros, marinheiros, ciganos e tudo mais. Pelo jeito existem mais coisas que distinguem a Umbanda do Candomblé.

Folha- Como o sr. se define sob o ponto de vista religioso?

Lopes - Minha mãe recebia uma preta-velha, mas não era umbandista. Nós tínhamos lá em casa nosso culto doméstico. Hoje eu cultuo orixás. Mas não sou candomblecista, como aliás já fui. Eu me dedico à forma de culto que em Cuba se conhece como santeria, que inclusive já tem muitos adeptos no Brasil. E cultuo esses orixás na minha casa. A definição, então, não é fácil. E por isso eu proponho que o IBGE inclua tudo na rubrica "religião africana", ou "religião de matriz africana", onde a umbanda, por ser cada vez mais sincrética, talvez já não caiba mais.

Comentário: acredito que o Sr. Nei Lopes deveria falar somente do que conhece e vivenciou, ou seja, Candomblé e Santeria. Como ele nunca foi umbandista, acredito que não deva falar do que não conhece. Não entendo esta insistência do pessoal da Nação em querer, por toda a lei, que a Umbanda seja uma "filha caçula", um "sub-produto" do Candomblé.

Folha- Qual é a diferença que o sr. distingue entre o candomblé e a santeria cubana?

Lopes - As diferenças são poucas, mas significativas. Restringem-se quase exclusivamente a particularidades litúrgicas, uso de instrumentos (aqui atabaques daomeanos, percutidos entre as pernas do tocador; lá, batás nigerianos, levados a tiracolo); diferenças nos elementos que compõem os assentamentos dos orixás etc. E é tudo uma questão de procedência: o candomblé da Bahia é basicamente um produto de Quêto, um reino localizado no atual Benin, antigo Daomé; e a santería cubana vem de Oyó, um outro reino, de onde parece ter vindo, também, o xangô de Pernambuco, que guarda muito mais semelhanças com a santeria que com o candomblé, principalmente no destaque que dá ao culto de Orumilá ou Ifá, o grande orixá do saber, do conhecimento, dono do Oráculo, em torno do qual gravita todo o conhecimento sobre os outros orixás iorubanos (nagôs, lucumis, ijexás etc.), sua mitologia e a liturgia do seu culto..

Folha- A umbanda aparentemente vem perdendo espaço para outras religiões. O sr. tem essa percepção?

Lopes - Todas as religiões de matriz africana vêm perdendo espaço para a truculência neopentecostal. Truculência que chega à agressão física, como na Bahia..

Folha- Muita gente que freqüenta centros não se declara umbandista. Por que será? Por medo? Vergonha?

Lopes - Essa ocultação é conseqüência do racismo brasileiro. A maioria das pessoas tem vergonha de assumir alguma coisa que remeta à África, à escravidão. Cultura negra só se for desafricanizada... é aí que a gente chega a uma coisa interessante. Existe uma vertente da umbanda que inclusive nega a origem africana da religião, buscando suas raízes na Índia. Tentam até provar que o nome umbanda (que deriva do quimbundo mbanda, ritualista, curandeiro) vem do sânscrito. Essa umbanda não usa tambores e se pretende esotérica; e é ela que vem se expandindo pela América do Sul e pelo mundo. É como se seus praticantes dissessem: "Essa coisa de tambor, sacrifícios de animais, isso é coisa de selvagens! Nós somos civilizados". Nessa oposição entre "selvagem" e "civilizado" é que está o racismo. Então, a intenção dos espíritos acolhidos pelo médium Zélio Moraes há cem anos parece que está se frustrando.

Comentário: O Sr. Nei Lopes passa a ser contraditório neste momento. Na verdade, a Umbanda pregada por Zélio de Moraes nunca teve entre seus fundamentos os uso de tambor ou a matança ritual. Então, por extensão do conceito de "civilizado" que ele deu, Zélio, por não praticar tais coisas, também era racista. Esquece o Sr. Nei Lopes, que o que hoje vemos como sacrífício animal, outrora era humano, e que houve uma evolução disto.

Sinceramente, não consigo perceber como o sacrifício de uma vida, seja ela de um animal ou de um ser humano, com dor, sofrimento, aniquilação, pode ser algo benéfico para alguém. Que Orixá é este que precisa de sangue? Que D-us tão imperfeito, que força espiritual é esta tão "humana" que necessita de holocaustos para poder atuar na terra? Orixá bebe, come, bebe sangue?

Será que respeitar a vida de um animal, dar direito à ele de viver, é racismo, desafricanização, ou bom senso? Bom senso em cultuar uma Força Superior que não precisa de absolutamente nada de material para fortificar seus filhos? Que não é sanguinário e tem todas as suas criaturas na mesma conta e importância?

Isto é coisa desta "Umbanda dita esotérica" ou de Adeptos de um Culto que acreditam que os Orixás que cultuam são mais perfeitos e puros que eles próprios?

Talvez o Sr. Nei Lopes também ache o mais respeitado e reverenciado Babalorixá, aliás, Aluwô Agenor Miranda um racista, visto que apesar de ser quem era várias vezes defendeu o fim de sacrifícios de animais nos Cultos de Nação, evocando exatamente a Natureza Divina dos Orixás, que não necessitavam disto. Aliás, foi ele quem disse isto: “A força do candomblé está no sangue verde das plantas e não no sangue vermelho dos animais.”

Na verdade, o Sr. Lopes dá um tiro (ops, tiro não porque é coisa de "branco racista", flechada...) com esta entrevista e, ai sim, seu preconceito contra a Umbanda, não somente a esotérica. Entrelinhas, Lopes desclassifica a Umbanda como religião, e se coloca na posição de "especialista" de uma doutrina que desconhece e que jamais praticou.