
Quando o conheci contava com avançados 68 anos, salvo engano, e veio falecer, de causas naturais, com mais de oitenta.
Na pequena Casa de Pai Domingo, não havia "pais" ou "mães-de-santo".
O próprio Sr. João dos Santos arrepiava e se incomodava a cada vez que se referiam à ele como tal. Era carinhosamente chamado por todos de "Tio João" e, não raramente, deixava a gíra do dia sob a responsabilidade de algum médium, fosse ele novato ou com muito tempo dentro da Umbanda.
Certa vez o questionei sobre este tipo de conduta.
Afinal, em minha cabeça, seria temerário que um médium jovem, sem experiência comandasse a gíra de um Terreiro onde, não raro, contava com 80 - 90 pessoas na assistência, sem contar os médiuns e cambonos.
A reposta que obtive do velho Tio João foi a seguinte: "meu filho, o médium é novo, mas a Entidade é velha. Somos meros instrumentos nas mãos dos Guias. A verdadeira sabedoria e conhecimento é deles e não nossa."
O ritual era enxuto, sem atabaques, matanças e roupas espalhafatosas, dentre elas o que era banido guias imensas e vistosos cocares. No muito cada médium usava uma camiseta e calca brancas, de qualquer tecido (lembro que a calça de Tio João era feita de pano saco alvejado) uma guia com a cor do Orixá, no máximo um cachimbo, um charuto, um cigarro para uso das Entidades. Não haviam cobranças de nenhum tipo, sendo que o Terreiro vivia das mensalidades dos médiuns e doações feitas pelos frequentadores. Esta últimas mais confiáveis que as primeiras, como é normal em qualquer Terreiro.
Haviam poucas festas, homenagens singelas às Crianças, Caboclos, Pretos-Velhos e Exus, em datas tradicionais, dentro do sincretismo católico. Contudo a que mais enchia os olhos de Tio João era a "Festa dos Meninos", como ele gostava de ser referir a comemoração em louvor a Cosme e Damião. Este era o dia que aquele "Negro Velho" tornava-se novamente criança e chegava às lágrimas ao ver a Casa cheia.
Nesta simplicidade, a Casa de Caridade Pai Domingos da Cruz funcionou por longos 60 anos e, até que o seu fundador e orientador foi chamado novamente aos Jardins de Aruanda.
Acredito que foi esta simplicidade que perdi e tenho pagado o preço por isto.
Não que me arrependa de ter seguido a Raíz de Guiné, mas com certeza nunca mais encontrei pessoas realmente confiáveis como aquelas em que divida a benção de estar na Casa de Pai Domingos da Cruz.
Oxalá os "umbandistas" de hoje, em especial aqueles que pululam em listas de discussões e comunidades virtuais, assim como os "líderes" que hoje, como pavões do "santo rebolado", vivem a bater no peitos sobre seus feitos que, na verdade, enchem seus bolsos e emburrecem a massa de fiéis.
A sua benção, Pai Domingos da Cruz...
A sua benção, Tio João...
Com certeza, um dia vamos nos rever nos Campos de Aruanda.