terça-feira, dezembro 16, 2008

O SAGRADO SE MISTURA AO PROFANO

Não tem jeito...

Como sempre digo, quando acho que já vi de tudo neste meio religioso afro-descendente, sou impactado com mais uma novidade que, pior, ainda tem o apoio da comunidade religiosa como se fosse algo que demonstrasse respeito e prestígio às religiões de matriz africana.

Fazendo uma pesquisa sobre ritmos afro, deparei-me com a notícia de que Mestre Ciça, responsável pela bateria da escola de samba Viradouro, do Rio de Janeiro, resolveu incluir no desfile carnavalesco atabaques tocados por ogãs.

Quero destacar alguns trechos da entrevista de Mestre Ciça ao site G1:


Num enredo que fala sobre a Bahia, os ogãs na bateria caem como uma luva. Vamos ver que bicho que vai dar, né? A idéia da escola era convidar integrantes de algum grupo afro baiano. Mas nem foi preciso. O toque que eu quero está aqui, nos terreiros de macumba”, comentou o diretor de bateria, frisando que os novos integrantes da bateria não são ritmistas, mas ogãs de centro espíritas de Niterói e São Gonçalo, na Região Metropolitana.


Não entendi: "terreiros de macumba"?!? "ogãs de centro espíritas" (sic)?!?

Adiante, prossegue o responsável pela bateria da Viradouro:

Eles trouxeram para a escola uma outra vivência, uma experiência que não é de samba. Eles nunca desfilaram, mas já fazem parte da Viradouro. É muito bacana e satisfatório trabalhar com eles. Nos ensaios dá para ver a satisfação, o prazer, a alegria e a seriedade com que eles tocam. O que para nós é trabalho, para eles é uma religião. Eles se dedicam para valer.

Realmente, mais algumas inovações que eu desconhecia. Nunca soube que "centros espíritas" (que seguem a doutrina de Kardec) usassem atabaques e "levantassem" Ogãs. Não tinha conhecimento que Umbanda e Candomblé tinham mudado de nome e se transformado em "terreiros de macumba".

O mais incrível, porém, é o fato de Ogãs se prestarem a este tipo de conduta. Simplesmente se dispuseram a levar o sagrado para dentro do profano.

O que chama atenção nas palavras de Mestre Ciça é exatamente o fato de que atabaques e Ogãs são elementos de uma RELIGIÃO, de algo sagrado, espiritual, que deveria estar apartado do meio profano. O carnaval e a religião, em termos práticos, são como água e óleo: não se misturam.

Não, caro leitor... longe de mim ser purista.

Com certeza alguns devem estar questionando o motivo de minha contrariedade visto ser contra o uso de atabaques em nossos Terreiros. Na verdade, sendo o uso de atabaques algo ritual na maioria das Casas de Culto, assim como o Ogã possui uma autoridade e papel importante dentro da mesma, não acredito, realmente, que seja de bom tom misturar esta autoridade espiritual com o "vale tudo" do carnaval.

No site SRZD, tenho ainda a notícia de que alguns Ogãs estão levando seus próprios atabaques para os ensaios da escola de samba.

Ou seja, instrumentos sagrados, "vivos", que inclusive devem ser "alimentados", regidos por um Orixá, são tocados em meio a uma profusão de mulheres semi-nuas, onde a sensualidade exacerbada aflora, onde o objetivo é festejar a "carne" e não o espírito.

Não, caro leitor, repito, não é uma questão de puritanismo e sim de coerência.

Nos Terreiros, em geral, com exceção daqueles onde as práticas tântricas são benvindas, fazem de tudo para manter o respeito ao ambiente, aos Orixás, aos instrumentos sagrados.

Há lugares onde mulheres sentam-se separadas dos homens, onde sempre é recomendado que se observe o tipo de roupa que se usa nas gíras, onde médiuns femininas são aconselhadas a estarem o mais discretas possíveis, mas na época de carnaval iremos encarar como algo comum levarmos os instrumentos sagrados para serem tocados diante de mulheres semi-nuas?

Os atabaques são tão sagrados dentro dos Terreiros que os utilizam que ninguém mais, exceto os Ogãs, podem tocá-los de forma alguma. Mas mesmo assim, eles serão levado à passarela do samba? Terminada a "festa da carne", tais instrumentos retornam ao Terreiro e serão usados para chamar os Orixás, Guias e Protetores?

Antes que me chamem de hipócrita, não tenho nada contra o carnaval, até gosto de assistir aos desfiles pela televisão. Obviamente, a presença de belas mulheres, não deixa de me agradar. Sou contra, porém, de que o sagrado seja profanado.

Assim como não concordo com o o uso de atabaques e a presença de Ogãs nos desfile, também oo fui quando quiseram usar de ícones católicos, assim como serei caso queiram fazer uso de qualquer simbolo religioso, sejá lá de qual religião for.

Não vejo motivo para não se usar outros percussionistas, apartados da religião, para tal evento. Por que a necessidade do uso de Ogãs e, pior, que os mesmos ainda se prestem a levar os próprios instrumentos para a avenida?

Realmente, não entendo isto...

Mas nesta época da "umbanda do vale-tudo", não deveria me espantar com mais este desrespeito às Tradições dentro de nossos Terreiros.

Como já expus neste espaço anteriormente, o "povo do santo", com raras e honrosas exceções, querem é "pão e circo"... pelo jeito, no carnaval do ano vindouro chegaremos ao ápice do circo envolvendo as religiões de matriz africana.

Fazendo minhas as palavras de Boris Casoy: isto é uma vergonha.

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foto: Divulgação / Muitamídia