segunda-feira, julho 28, 2008

PRECE DE EXU

Esta "prece" é divulgada no meio umbandista faz algum tempo.

Tive oportunidade de analisá-la há uns dois anos em uma comunidade virtual e quase fui linchado por simplesmente expressar a minha opinião que, no que pese a "máscara" filosófica, este texto não diz absolutamente nada, não transmite nenhuma verdade sobre o Grande Arcano Exu, sem falar que é de uma pieguice (obrigado, Divalo Franco...) sem par.

Como sempre, alguns umbandistas preferem a forma em detrimento da essência.

Vamos à "prece". Comentários entrelinhas, em fonte diferenciada e em itálico para destacar:

Sou EXU, Senhor.

Pai, permite que assim te chame, pois, na realidade, Tu o és, como és meu criador. Formaste-me da poeira ástrica, mas como tudo que provém de Ti, sou real e eterno.

Permite Senhor, que eu possa servir-Te nas mais humildes e desprezíveis tarefas criadas pelos teus humanos filhos. Os homens me tratam de anjo decaído, de povo traidor, de rei das trevas, de gênio do mal e de tudo o mais em que encontram palavras para exprimir o seu desprezo por mim; no entanto, nem suspeitam que nada mais sou do que o reflexo deles mesmos. Não reclamo, não me queixo porque esta é a Tua Vontade.

Para quem não sabe, "poeira ástrica" quer dizer "poeira dos astros". Aquele que conhece um mínimo de teogonia yorubana e, além, das Tradições esotéricas, sabe que esta afirmação é um erro crasso.. De acordo com estas Tradições, Exu tem sua presença consignada até mesmo no primeiro ato da Criação pois sem ele nada é possível. Portanto, Exu existe antes da criação dos astros e não poderia ter sido moldado através de sua poeira.

Não entendo como um ser que existe desde antes da Criação, que representa o próprio movimento do Cosmo, é o Senhor do Corpo (Esú Bara), a "Boca Coletiva" (Esú Gbarijo), dentre outras coisas, pode falar sobre "tarefas humildes e desprezíveis". E, claro, na sequência, não poderia faltar uma menção ao sincretismo que relaciona Exu o diabo judaico-cristão e, pior, achar que esta bazófia é "vontade" de Deus.

Sou escorraçado, sou condenado a habitar as profundezas escuras da terra e trafegar pelas sendas tortuosas da provação.

Sou invocado pela inconsciência dos homens a prejudicar o seu semelhante. Sou usado como instrumento para aniquilar aqueles que são odiados, movido pela covardia e maldade humanas sem contudo poder negar-me ou recorrer.

Estes dois parágrafo, em particular, causaram-me calafrios. Como assim "condenado"? Provação? Estamos falando de uma Entidade qu auxiliou na Criação e foi o responsável pela própria formação do homem, ou de um kiumba?

Usado como "instrumento para aniquilar", sem poder negar-se a tanto? Quanta asneira !!! Exu é o Executor do Karma , estando acima e além desta dicotomia bem/mal à qual as humanas criaturas estão sujeitas. Portanto, Exu não está à disposição de ninguém para ser usado como arma de aniquilação. Poderiamos resumir a sua atuação, de forma bem singela, desta forma: "quem deve paga, quem merece recebe". Pobre daquele que evoca Exu sendo devedor...

Pelo pensamento dos inconscientes, sou arrastado à exercer a descrença, a confusão e a ignominia, pois esta é a condição que Tu me impuseste. Não reclamo, Senhor, mas fico triste por ver os teus filhos que criaste à Tua imagem e semelhança, serem envolvidos pelo turbilhão de iniqüidades que eles mesmos criam e, eu, por Tua lei inflexível, delas tenho que participar.

Qualquer um que ler esta bobagem irá acreditar que estamos falando de um demônio, um gênio das trevas. As pessoas se apegam a mitos e lenda que não sabem interpretar de forma correta e passam a crer que aquelas situações são literais. Como afirmei anteriormente, Exu é o próprio princípio do movimento, que tudo transforma, que não respeita limites. É ele que nos ajuda a quebrar paradigmas, tradições e ir além, ajudando-nos a encontrarmos forças dentro de nós mesmos, termos fé em nossas próprias potencialidades para irmos além dos limites que nos impusemos. Exu, como o Senhor do Limites, nos auxilia a ultrapassá-los. Então, como poderia dizer ser agente da descrença, da confusão e da ignominia?

No entanto, Senhor, na minha infinita pequenez e miséria, como me sinto grande e feliz quando encontro nalgum coração, um oásis de amor e sou solicitado a ajudar na prestação de uma caridade.

Pelo visto o "exu" que faz esta prece sofre de transtorno da personalidade. Ao mesmo tempo que se diz agente das piores ações, um verdadeiro flagelo para a humanidade, sente-se feliz quando encontra alguém disposto a prestar a caridade. Percebam a contradição: se à ele é IMPOSTO ser o aniquilador, o ceifador, o migrador e o devorador*** da vida humana, aquele que semeia a "descrença, a confusão e a ignominia", como pode se desviar desta imposição divina e sentir-se "feliz" ao encontrar um humano cheio de amor no coração e pronto para prestar a caridade quando solicitado? Este "exu" não pode negar-se fazer o mal por uma determinação de Deus, mas de uma hora para outra, indo contra esta mesma ordem, prestar a caridade? Isto não faz o menor sentido.

Aceito , sem queixumes, Senhor, a lei que, na Tua infinita sabedoria e justiça, me impuseste, a de executor das consciências, mas lamento e sofro mais porque os homens até hoje, não conseguiram compreender-me.

Como alguém que incentivou um crime pode julgar aquele que o levou à cabo? Como o mandante pode ser o executor legal do seu comparsa? Sim, porque de acordo com o texto, se Exu é o responsável por toda a miséria humana, disseminando entre as humana criaturas toda a sorte de vícios e corrupção, repito, POR DETERMINAÇÃO DIVINA, não pode caber à ele julgar ou ser o executor destas consciência as quais ele mesmo levou ao abismo.

Peço-Te, Oh, Pai infinito que lhes perdoe.

Peço-Te, não por mim, pois sei que tenho que completar o ciclo da minha provação, mas por eles, os teus humanos filhos.

Perdoa-os, e torna-os bons, porque somente através da bondade do seu coração, poderei sentir a vibração do Teu amor e a graça do Teu perdão.

Esta mensagem, à qual tantos umbandistas cantam loas, adjetivam nas listas e comunidades virtuais como "linda, maravilhosa, profunda" é tão cheia de contradições e conceitos distorcidos, que não consigo entender o motivo pelo qual é tão divulgada.

Perceba que nos parágrafos finais, aquele que admite ser o causador de toda a miséria humana, pede ao Todo-Poderoso que perdoe não à si mesmo, mas às suas vítimas. Mas, dentro do contexto "filosófico" (não encontrei palavra melhor...) da mensagem, já que ele, Exu, está apenas seguindo a vontade de Deus e é de sua natureza ser o flagelo da humanidade, por qual motivo pediria que eles fossem perdoados?

Se a Divindade permite que um ser explore as fraquezas humanas, transformando-as em seres desprezíveis com a potencialização de suas mazelas, não há por quê Exu pedir que sejam perdoados, já que este "deus" à quem "exu" se dirige, ao que parece, é um grande fanfarão, que se alegra com o sofrimento das criaturas humanas.

Com certeza, não é este o "deus" e, muito menos, este "exu" que conheço.

Infelizmente, como vivo a dizer, são estes tipos de doutrinas estranhas e deturpadas, a crença de "exus" com pontos firmados no inferno, as famigeradas imagens representando-os como demônios medievais, com chifres, rabos e pés de bode, que são responsáveis pelo preconceito contra a nossa Religião.

É por estas e outras, que não sou a favor da retirada do mercado de livros como o do "bispo' Macedo e do Padre Jonas Abib. Porque antes deles, os primeiros a demonizar a Umbanda são os próprios umbandistas.

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NOTAS DO AUTOR:

A ilustração deste artigo foi escolhida exatamente por, na minha opinião, representar bem o "exu" que faz esta prece.

*** Referência à Joel 1.4, que diz: "O que deixou o gafanhoto cortador, o gafanhoto migrador comeu; o que o migrador deixou, o gafanhoto devorador comeu; o que o devorador deixou, o gafanhoto destruidor comeu".